Definitivamente aquela não era uma noite comum. As ruas estavam desertas e silenciosas. Era como se algo estivesse para acontecer. Apenas o zumbido dos aparelhos de ar condicionado em algumas das casas e apartamentos quebrava um pouco o silêncio. Mas naquele prédio antigo e quase caindo aos pedaços o calor era insuportável. Pedro dormia mal e se mexia muito, virando de um lado para o outro e dizendo coisas sem nexo.

O prédio onde Pedro dormia tinha mais de 60 anos, suas paredes eram de um azul desbotado e em diversas partes já se via pedaços de reboco caindo. Inúmeras colunas sustentavam seus três andares, circundando o terreno sem encostar-se ao muro. No centro havia um grande pátio cimentado, sem árvores, com alguns bancos também de cimento e quatro postes de luz. Na lateral, à esquerda, havia um pequeno jardim.

Pedro era um garoto moreno, muito magro e comprido, olhos cor de mel e cabelos encaracolados. Desde que se entendia por gente, vivia em um abrigo para menores, só para meninos, o Casa da esperança. Dos pais, não guardava a menor lembrança. Mas às vezes, bem tarde da noite, quando não conseguia dormir, tinha a impressão de ser embalado por uma voz feminina que lhe sussurrava ao ouvido uma estranha canção de ninar com palavras que não compreendia, mas que lhe traziam muita paz.