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De mentirinha

Alguns adultos cresceram sem perder o poder infantil de imaginar que nada é impossível, e graças a eles a Humanidade pode voar como os pássaros, submergir como os peixes, consertar o coração como os poetas, pisar na Lua como ninguém, pousar em Marte, espionar o infinito.

Flávia Côrtes nos mostra que os sonhos das crianças não são “de mentirinha”. Se eu e a Flávia não pensássemos assim, não seríamos escritores. Eu e ela podemos não conseguir, mas continuamos tentando alcançar esse infinito. Nossa sorte é que as crianças nos entendem!

Pedro Bandeira

Resenha

Chega um dia em que a menina, acostumada a passar di- versas horas sozinha no seu quarto, começa a receber visitas. Primeiro, um dragão. Depois, uma fada. Em seguida, uma bruxa. Até que o aposento vai ficando cada vez mais povoado, repleto dos mais estranhos e fantásticos seres. A cada nova visita, a garota corre para contar a novidade à mãe, que se mostra inva- riavelmente cética, repetindo que todas aquelas criaturas são apenas “de mentirinha”. Na escola, apesar de as outras crianças no recreio fizeram fila para dar uma volta no dragão, a profes- sora nada vê.

Complementando o texto de Flávia Côrtes, as belas ilustra- ções de Renan Santos contribuem para conferir uma dimensão onírica e fantástica ao livro. As ilustrações nos levam a acom- panhar o universo mágico habitado pela protagonista, e nos tornam cúmplices, revelando diante de nossos olhos a riqueza de tudo aquilo que as personagens adultas repetidas vezes se mostram incapazes de enxergar. A obra traça ainda uma home- nagem à literatura, destacando seu poder evocativo e sua ca- pacidade de enriquecer e povoar a solidão. As horas passadas em um pequeno quarto podem ser preenchidas por encontros e diálogos com interlocutores insuspeitos.

                                                                               Maria José Nóbrega

                           (In: Leitura em família - site da editora Moderna)

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Editora Salamandra  2023

Ilustrador Renan Santos

40 páginas

ISBN 9788552721703

A partir de 07 anos

Indicação 2º Ano (EF1), 3º Ano (EF1)

Depoimento da Mafê, professora e mãe da Dandara

Certa vez, a caminho do zoológico, minha pe- quena se deparou com um grande problema. Como o percurso era longo, tive tempo de entender os di- lemas que ela havia descoberto naquele momento.

– Mãe, dinossauro existe?

– Não existe mais, filha. Mas existiu há muitos milhares de anos.

– E unicórnio?

– Esse foi inventado pela nossa imaginação, filha.

Lembro-me de ter conversado rapidamente so- bre fósseis, sobre as maneiras de conhecermos o passado e também sobre a riqueza dos mitos que povoam nossas culturas. Mas ela não se continha.

– E o dragão, o narval, a girafa, os anões da Branca de Neve, o leão, o Pégaso...? – E seguiu- -se uma lista enorme de seres reais e imaginados, grandes e pequenos, todos fabulosos!

No trajeto, acabamos dividindo o mundo em três categorias básicas: aquilo que existe, aquilo que já existiu e aquilo que é fruto da imaginação humana. Foi a essa memória que Dandara retornou quando começamos a ler De mentirinha.

Primeiro, ela achou engraçadas as ilustrações de Renan Santos. Pareciam, ao mesmo tempo, anti- gas e novas. Ela disse que lembravam aquelas dos livros mais velhos, só que com celulares brilhando nas mãos dos adultos.

Depois, foi a vez de observar os desdobramen- tos da história, tão bem contada por Flávia Côrtes.

– Ah, eu já sei tudo o que é de existir e tudo o que é de imaginar! – E foi logo citando de memória a infinita lista de seres incríveis.

– Mas, mãe, imaginação e mentira não são a mesma coisa! – Tinha um tom de indignação na- quela voz.

Concordei. Tentei explicar que alguns adultos chamavam a fantasia de mentirinha. Ela logo ques- tionou que a mentira é algo ruim, que cria confu- são, e a fantasia é algo bom, divertido e que dá bons desenhos! (Ela tem uma verdadeira coleção de desenhos de unicórnios.)

Também concordei.

Senti que ela ficou um pouco chateada com a postura dos adultos da história. Ela tentou dizer, mas parecia não encontrar as palavras que queria. Perguntei se tinha a ver com escutar. Acho que fez sentido para ela. Então, ela disse que parecia que só a imaginação escutava a menina. E completou:

– Mas a imaginação existe?

Achei pura filosofia! Tentei dar respostas, mas nenhuma ficou à altura da pergunta dela. E era como se sua mente voasse anos-luz:

– Tem a imaginação que dá medo. Tem a que dá alegria, porque é bonita. Às vezes, quero pensar em coisa bonita, mas é noite e me dá é medo. Daí eu vou pra sua cama! – E deu um riso esperto.

Eu não sei se conseguimos resolver questio- namentos tão valorosos. Mas fiquei feliz por não ter perdido meu tempo com um celular brilhando nas minhas mãos. Conversar com uma pessoa cujo olhar não está tão viciado pela normalidade é como ser tocada por um vento de verão. É algo que inspira.

                                                                                          (In: Leitura em família - site da editora Moderna)

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